31/05/2010

Seiscentos e sessenta e seis

Mario Quintana

A vida é uns deveres que nós trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são 6 horas: há tempo...
Quando se vê, já é 6ª Feira...
Quando se vê, passaram 60 anos...
Agora, é tarde demais para ser reprovado...
E se me dessem - um dia - uma outra oportunidade,
eu nem olhava o relógio.
seguia sempre, sempre em frente ...

E iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas.


( In: Esconderijo do tempo)

08/05/2010

Retrato de MÃE

Dom Ramon Angel Iara
Bispo de La Serena -Chile (escrito num álbum)


"UMA simples mulher existe que,pela imensidão
de seu amor, tem um pouco de Deus;e
pela constância de sua dedicação;tem
muito de anjo;

Que, sendo moça, pensa
como uma anciã e , sendo velha ,age com
as forças toda da juventude,

Quando ignorante, melhor que qualquer sábio desvenda
os segredos da vida, e, quando sábia, assume
a simplicidade das crianças,

Pobre, sabe enriquecer-se com a felicidade dos que ama, e, rica, empobrecer-se
para que seu coração não sangre ferido pelos ingratos;


Forte, estremece ao choro de uma criancinha
e, fraca, entretanto, se altera com a bravura dos leões;


Viva, não lhe sabemos dar valor porque à sua sombra
todas as dôres se apagam, e, morta,tudo o que somos
e tudo o que temos daríamos para vê-la de novo, e
dela receber um aperto de seus braços, uma palavra
de seus lábios.

Não exijam de mim que digam o nome
dessa mulher,se não quiserem que ensope de lágrimas
êste álbum: porque eu a vi passar no meu caminho


Quando crescerem seus filhos, leiam para eles esta
página: eles lhes cobrirão de beijos a
fronte, e dirão que um pobre viandante,
em troca da suntuosa hospedagem
recebida, aqui deixou para todos o
retrato de sua própria MÂE..."


Tradução de Guilherme de Almeida


 

Às mães que visitam estas páginas, o meu abraço!!!!

Sheila Revert.

07/05/2010

Copas

Sheila Revert

Sou medo,
Fato,
Desilusão.

Sou angústia,
Tristeza,
Desencanto.

Sou passado,
Marcas,
Desesperança.

Mas, se ganho um sorriso,

Sou música,
Viagem,
Poesia:
Alento para o meu coração.

A GAIOLA

E era a gaiola e era a vida era a gaiola

e era o muro a cerca e o preconceito
e era o filho a família e a aliança
e era a grade a filha e era o conceito
e era o relógio o horário o apontamento
e era o estatuto a lei e o mandamento
e a tabuleta dizendo é proibido.

E era a vida era o mundo e era a gaiola
e era a casa o nome a vestimenta
e era o imposto o aluguel a ferramenta
e era o orgulho e o coração fechado
e o sentimento trancado a cadeado.
E era o amor e o desamor e o medo de magoar
e eram os laços e o sinal de não passar.
E era a vida era a vida o mundo e a gaiola
e era a vida e a vida era a gaiola.


(Apud Alda Beraldo. Trabalhando com poesia. São

Paulo: Ática, 1990. v. 2, p. 17.)


Português: Linguagens — William Roberto Cereja e Thereza Cochar Magalhães

01/05/2010

A Cigarra e as Formigas - A formiga boa

Monteiro Lobato

Houve uma jovem cigarra que tinha o costume de chiar ao pé dum formigueiro. Só parava quando cansadinha; e seu divertimento então era observar as formigas na eterna faina de abastecer as tulhas.
Mas o bom tempo afinal passou e vieram as chuvas. Os animais todos arrepiados, passavam o dia cochilando nas tocas.
A pobre cigarra, sem abrigo em seu galhinho seco e metida em grandes apuros, deliberou socorrer-se de alguém.
Manquitolando, com uma asa a arrastar, lá se dirigiu para o formigueiro. Bateu-tique, tique, tique.
Aparece uma formiga friorenta, embrulhada num xalinho de paina.
-Que quer?- perguntou, examinando a triste mendiga suja de lama e a tossir.
-Venho em busca de agasalho. O mau tempo não cessa e eu...
A formiga olhou-a de alto a baixo.
-E que fez durante o bom tempo, que não construiu sua casa?
A pobre cigarra, toda tremendo, respondeu, depois de um acesso de tosse:
-Eu cantava, bem sabe...
-Ah!... exclamou a formiga recordando-se. Era você então quem cantava nessa árvore enquanto nós labutávamos para encher as tulhas?
-Isso mesmo, era eu...
-Pois entre, amiguinha! Nunca poderemos esquecer as boas horas que sua cantoria nos proporcionou. Aquele chiado nos distraía e aliviava o trabalho. Dizíamos sempre: "que felicidade ter como vizinha tão gentil cantora!" Entre, amiga, que aqui terá cama e mesa durante todo o mau tempo.
A cigarra entrou, sarou da tosse e voltou a ser a alegre cantora dos dias de sol.

Monteiro Lobato.


faina - atividade, trabalho, lida.
tulhas- grande arca usada para guardar cereais
paina - fibra sedosa

TP3 - P.36

Cidadão

Composição: (Lúcio Barbosa)

Tá vendo aquele edifício, moço?
Ajudei a levantar
Foi um tempo de aflição, era quatro condução
Duas pra ir, duas pra voltar
Hoje, depois dele pronto
Olho pra cima e fico tonto
Mas me vem um cidadão
Que me diz desconfiado:
Cê tá ai admirado, ou tá querendo roubar?
Meu domingo está perdido
Vou pra casa entristecido
Dá vontade de beber
E pra aumentar meu tédio
Eu nem posso olhar pro prédio
Que eu ajudei a fazer

Tá vendo aquele colégio, moço?
Eu também trabalhei lá
Lá eu quase me arrebento
Fiz a massa, pus cimento
Ajudei a rebocar
Minha filha inocente
Veio pra mim toda contente:
Pai, vou me matricular
Mas me diz um cidadão:
Criança de pé no chão aqui não pode estudar
Essa dor doeu mais forte
Nem sei porque deixei o norte
Então me pus a dizer
Lá a seca castigava
mas o pouco que eu plantava
tinha direito a colher

Tá vendo aquela igreja, moço?
Onde o padre diz amém
Pus o sino e o badalo
Enchi minha mão de calo
Lá eu trabalhei também
Mas ali valeu a pena
Tem quermesse, tem novena
E o padre me deixa entrar
Foi lá que Cristo me disse:
Rapaz, deixe de tolice
não se deixe amedrontar
fui eu quem criou a terra
enchi os rios e fiz as serras
não deixei nada faltar
hoje o homem criou asas
E na maioria das casas
Eu também não posso entrar.


Que Deus abençoe o nosso trabalho!!!!!