Monteiro Lobato
Houve uma jovem cigarra que tinha o costume de chiar ao pé dum formigueiro. Só parava quando cansadinha; e seu divertimento então era observar as formigas na eterna faina de abastecer as tulhas.
Mas o bom tempo afinal passou e vieram as chuvas. Os animais todos arrepiados, passavam o dia cochilando nas tocas.
A pobre cigarra, sem abrigo em seu galhinho seco e metida em grandes apuros, deliberou socorrer-se de alguém.
Manquitolando, com uma asa a arrastar, lá se dirigiu para o formigueiro. Bateu-tique, tique, tique.
Aparece uma formiga friorenta, embrulhada num xalinho de paina.
-Que quer?- perguntou, examinando a triste mendiga suja de lama e a tossir.
-Venho em busca de agasalho. O mau tempo não cessa e eu...
A formiga olhou-a de alto a baixo.
-E que fez durante o bom tempo, que não construiu sua casa?
A pobre cigarra, toda tremendo, respondeu, depois de um acesso de tosse:
-Eu cantava, bem sabe...
-Ah!... exclamou a formiga recordando-se. Era você então quem cantava nessa árvore enquanto nós labutávamos para encher as tulhas?
-Isso mesmo, era eu...
-Pois entre, amiguinha! Nunca poderemos esquecer as boas horas que sua cantoria nos proporcionou. Aquele chiado nos distraía e aliviava o trabalho. Dizíamos sempre: "que felicidade ter como vizinha tão gentil cantora!" Entre, amiga, que aqui terá cama e mesa durante todo o mau tempo.
A cigarra entrou, sarou da tosse e voltou a ser a alegre cantora dos dias de sol.
Monteiro Lobato.
faina - atividade, trabalho, lida.
tulhas- grande arca usada para guardar cereais
paina - fibra sedosa
TP3 - P.36
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