21/06/2010

O Justo

O treinador reuniu a turma no vestiário e escalou doze: onze e o goleiro. O capitão do time estranhou, avisando que havia gente demais. O técnico, porém, sustentou a escalação:
– Isso é problema do juiz, o teu é jogar e tentar ganhar a partida.
E lá se foi o time para o campo.
Cinco minutos de jogo, a torcida começou a gritar, alertando o árbitro: “O Pipira tem doze!” O árbitro interrompeu a partida, contou os times e deu uma bronca no capitão que, por sua vez, passou a bola ao treinador:
– Fala co’home ali.
O juiz foi ao técnico e mandou retirar de campo o excedente. Uma confusão tremenda na pista. O técnico chamou o árbitro para uma conversa em particular. Saíram os dois na direção do centro do campo. A torcida, aos berros, descompunha todo mundo pelo atraso.
Os dois isolados no grande círculo, o técnico pôs a mão no ombro do juiz e entrou nas explicações: – O problema é o seguinte: eu sou um homem de cinquenta anos, estreando na profissão. E sou novo aqui na terra. Acontece que, hoje de manhã, o presidente do clube me deu um bocado de nome, pra pôr no time. Dois são protegidos do delegado, quatro do comandante do destacamento, o goleiro é filho do gerente do banco, o presidente diz que os dois pontas-de-lança tem que jogar de qualquer maneira. Eu fui escalando, escalando…
– É, mas passou da conta – diz o árbitro, inflexível.
– E eu não sei que passou? Ia ser mais. Por sorte, o sobrinho do prefeito amanheceu com o pé inchado e pediu para não jogar. Senão, entravam treze.
– Bom, mas para começar o jogo, o senhor tem que tirar um… – diz o juiz.
– Eu, tirar um? Deus me livre! Tira o senhor. Por mim, o time joga com doze. Se o senhor está dificultando, vai lá o senhor e tira um, escolhe lá um. O mais que posso fazer é colaborar com o senhor. Por exemplo, não tire nem o cinco nem o seis que dá bolo com o chefe de polícia. E o pior é que agora eu já confundi tudo: não sei mais se o oito é gente do comandante do destacamento ou se é o filho do gerente do banco…
O árbitro encarou o técnico do Pipira, enfiou o apito no bolso e saiu como uma fera:
– Doze contra onze, comigo, não. Doze contra onze, só se me expulsarem da Liga.
Parou diante do banco dos reservas do Serrinha F. C. e dirigiu-se ao técnico, sentencioso como nunca:
– Carvalho, bota mais um dos teus homens em campo, Carvalho. Eu tenho horror a injustiça!

(NOGUEIRA, Armando. Bola na rede. Rio de Janeiro, José Olympio, 1973)


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