desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não sou feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
— dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.
Mulher
Erasmo Carlos
Dizem que a mulher
É o sexo frágil
Mas que mentira
Absurda!
Eu que faço parte
Da rotina de uma delas
Sei que a força
Está com elas...
Vejam como é forte
A que eu conheço
Sua sapiência
Não tem preço
Satisfaz meu ego
Se fingindo submissa
Mas no fundo
Me enfeitiça...
Quando eu chego em casa
À noitinha
Quero uma mulher só minha
Mas prá quem deu luz
Não tem mais jeito
Porque um filho
Quer seu peito...
O outro já reclama
A sua mão
E o outro quer o amor
Que ela tiver
Quatro homens
Dependentes e carentes
Da força da mulher...
Mulher! Mulher!
Do barro
De que você foi gerada
Me veio inspiração
Prá decantar você
Nessa canção...
Na escola
Em que você foi
Ensinada
Jamais tirei um 10
Sou forte
Mas não chego
Aos seus pés...
A brusca poesia da mulher amada
Vinícius de Morais
Minha irmã, conta-me histórias da infância em que que eu haja sido
herói sem mácula
Meu irmão, verifica-me a pressão, o colesterol, a turvação do timol, a
bilirrubina
Maria, prepara-me uma dieta baixa em calorias, preciso perder cinco
quilos
Chamem-me a massagista, o florista, o amigo fiel para as
confidências
E comprem bastante papel; quero todas as minhas esferográficas
Alinhadas sobre a mesa, as pontas prestes à poesia.
Eis que se anuncia de modo sumamente grave
A vinda da mulher amada, de cuja fragrância
já me chega o rastro.
É ela uma menina, parece de plumas
E seu canto inaudível acompanha desde muito a migração dos
ventos
Empós meu canto. É ela uma menina.
Como um jovem pássaro, uma súbita e lenta dançarina
Que para mim caminha em pontas, os braços suplicantes
Do meu amor em solidão. Sim, eis que os arautos
Da descrença começam a encapuçar-se em negros mantos
Para cantar seus réquiens e os falsos profetas
A ganhar rapidamente os logradouros para gritar suas mentiras.
Mas nada a detém; ela avança, rigorosa
Em rodopios nítidos
Criando vácuos onde morrem as aves.
Seu corpo, pouco a pouco
Abre-se em pétalas... Ei-la que vem vindo
Como uma escura rosa voltejante
Surgida de um jardim imenso em trevas.
Ela vem vindo... Desnudai-me, aversos!
Lavai-me, chuvas! Enxugai-me, ventos!
Alvoroçai-me, auroras nascituras!
Eis que chega de longe, como a estrela
De longe, como o tempo
A minha amada última!
Caso do Vestido
Carlos Drummond de Andrade
Nossa mãe, o que é aquele
vestido, naquele prego?
Minhas filhas, é o vestido
de uma dona que passou.
Passou quando, nossa mãe?
Era nossa conhecida?
Minhas filhas, boca presa.
Vosso pai evém chegando.
Nossa mãe, dizei depressa
que vestido é esse vestido.
Minhas filhas, mas o corpo
ficou frio e não o veste.
O vestido, nesse prego,
está morto, sossegado.
Nossa mãe, esse vestido
tanta renda, esse segredo!
Minhas filhas, escutai
palavras de minha boca.
Era uma dona de longe,
vosso pai enamorou-se.
E ficou tão transtornado,
se perdeu tanto de nós,
se afastou de toda vida,
se fechou, se devorou,
chorou no prato de carne,
bebeu, brigou, me bateu,
me deixou com vosso berço,
foi para a dona de longe,
mas a dona não ligou.
Em vão o pai implorou.
Dava apólice, fazenda,
dava carro, dava ouro,
beberia seu sobejo,
lamberia seu sapato.
Mas a dona nem ligou.
Então vosso pai, irado,
me pediu que lhe pedisse,
a essa dona tão perversa,
que tivesse paciência
e fosse dormir com ele...
Nossa mãe, por que chorais?
Nosso lenço vos cedemos.
Minhas filhas, vosso pai
chega ao pátio. Disfarcemos.
Nossa mãe, não escutamos
pisar de pé no degrau.
Minhas filhas, procurei
aquela mulher do demo.
E lhe roguei que aplacasse
de meu marido a vontade.
Eu não amo teu marido,
me falou ela se rindo.
Mas posso ficar com ele
se a senhora fizer gosto,
só pra lhe satisfazer,
não por mim, não quero homem.
Olhei para vosso pai,
os olhos dele pediam.
Olhei para a dona ruim,
os olhos dela gozavam.
O seu vestido de renda,
de colo mui devassado,
mais mostrava que escondia
as partes da pecadora.
Eu fiz meu pelo-sinal,
me curvei... disse que sim.
Sai pensando na morte,
mas a morte não chegava.
Andei pelas cinco ruas,
passei ponte, passei rio,
visitei vossos parentes,
não comia, não falava,
tive uma febre terçã,
mas a morte não chegava.
Fiquei fora de perigo,
fiquei de cabeça branca,
perdi meus dentes, meus olhos,
costurei, lavei, fiz doce,
minhas mãos se escalavraram,
meus anéis se dispersaram,
minha corrente de ouro
pagou conta de farmácia.
Vosso pais sumiu no mundo.
O mundo é grande e pequeno.
Um dia a dona soberba
me aparece já sem nada,
pobre, desfeita, mofina,
com sua trouxa na mão.
Dona, me disse baixinho,
não te dou vosso marido,
que não sei onde ele anda.
Mas te dou este vestido,
última peça de luxo
que guardei como lembrança
daquele dia de cobra,
da maior humilhação.
Eu não tinha amor por ele,
ao depois amor pegou.
Mas então ele enjoado
confessou que só gostava
de mim como eu era dantes.
Me joguei a suas plantas,
fiz toda sorte de dengo,
no chão rocei minha cara,
me puxei pelos cabelos,
me lancei na correnteza,
me cortei de canivete,
me atirei no sumidouro,
bebi fel e gasolina,
rezei duzentas novenas,
dona, de nada valeu:
vosso marido sumiu.
Aqui trago minha roupa
que recorda meu malfeito
de ofender dona casada
pisando no seu orgulho.
Recebei esse vestido
e me dai vosso perdão.
Olhei para a cara dela,
quede os olhos cintilantes?
quede graça de sorriso,
quede colo de camélia?
quede aquela cinturinha
delgada como jeitosa?
quede pezinhos calçados
com sandálias de cetim?
Olhei muito para ela,
boca não disse palavra.
Peguei o vestido, pus
nesse prego da parede.
Ela se foi de mansinho
e já na ponta da estrada
vosso pai aparecia.
Olhou pra mim em silêncio,
mal reparou no vestido
e disse apenas: — Mulher,
põe mais um prato na mesa.
Eu fiz, ele se assentou,
comeu, limpou o suor,
era sempre o mesmo homem,
comia meio de lado
e nem estava mais velho.
O barulho da comida
na boca, me acalentava,
me dava uma grande paz,
um sentimento esquisito
de que tudo foi um sonho,
vestido não há... nem nada.
Minhas filhas, eis que ouço
vosso pai subindo a escada.
Texto extraído do livro "Nova Reunião - 19 Livros de Poesia", José Olympio Editora - 1985, pág. 157.
Mulher de Fases
Raimundos
Jogou minhas coisas fora
Disse que em sua cama
Eu não deito mais não...
A casa é minha
Você que vai embora
Já pra saia da sua mãe
E deixa meu colchão...
Ela é pró na arte
De pentelhar e aziar
É campeã do mundo
A raiva era tanta
Que eu nem reparei
Que a lua, diminuia...
A doida
Tá me beijando a horas
Disse que se for sem eu
Não quer viver mais não
Me diz Deus
O que é que eu faço agora?
Se me olhando desse jeito
Ela me tem na mão
-Meu filho agüenta
Quem mandou você gostar
Dessa Mulher de Fases?...
Complicada e perfeitinha
Você me apareceu
Era tudo que eu queria
Estrela da sorte
Quando a noite ela surgia
Meu bem você cresceu
Meu namoro é na folhinha
Mulher de Fases...
Põe fermento, põe as bomba
Qualquer coisa que aumente
A deixe bem maior que o sol
Pouca gente sabe que na noite
O frio é quente e arde
E eu acendi...
Até sem luz dá pra se enxergar
O lençol fazendo congo-blue
É pena, eu sei
Amanhã já vai miar
Se aguente
Que lá vem chumbo quente...
Complicada e perfeitinha
Você me apareceu
Era tudo que eu queria
Estrela da sorte
Quando a noite ela surgia
Meu bem você cresceu
Meu namoro é na folhinha
Mulher de Fases...
Complicada e perfeitinha
Você me apareceu
Era tudo que eu queria
Estrela da sorte
Quando a noite ela surgia
Meu bem você cresceu
Meu namoro é na folhinha
Mulher de Fases...
Essa Mulher
Elis Regina
De manhã cedo essa senhora se conforma
Bota mesa, tira o pó, lava a roupa,seca os olhos
Ah, como essa santa não se esquece
De pedir pelas mulheres, pelos filhos, pelo pão
Depois sorri, meio sem graca e abraça
Aquele homem e, aquele mundo
Que a faz assim feliz
De tardezinha essa menina se namora
Se enfeita, se decora, sabe tudo, não faz mal
Ah, como essa coisa é tão bonita
Ser cantora, ser artista, isso tudo é muito bom!
E chora tanto de prazer e de agonia
De algum dia, qualquer dia entender de ser feliz
De madrugada essa mulher faz tanto estrago
Tira a roupa, faz a cama, vira a mesa, seca o bar
Ah, como essa louca se esquece
Quantos homens enlouquece nessa boca, nesse chão
Depois parece que acha graca e agradece
Ao destino aquilo tudo que a faz tão infeliz
Essa menina, essa mulher, essa senhora
Em que esbarro a toda hora no espelho casual
É feita de sombra e tanta luz
De tanta lama e tanta cruz
Que acha tudo natural...
Mulher de 40
Roberto Carlos
Composição: Roberto Carlos / Erasmo Carlos
Sorriso bonito
Olhar de quem sabe
Um pouco da vida
Conhece o amor
E quem sabe uma dor
Guardada, escondida...
Por experiência
Sabe a diferença
De amor e paixão
O que é verdadeiro
Caso passageiro
Ou pura ilusão...
É jovem bastante
Mas não como antes
Mas é tão bonita
Ela é uma mulher
Que sabe o que quer
E no amor acredita...
Não quero saber
Da sua vida, sua história
Nem do seu passado
Mulher de Quarenta
Eu só quero ser
O seu namorado...(2x)
Não importa a idade
A felicidade
Chega um dia que vem
Se ela vive feliz
Ou espera de novo
Encontrar outro alguém...
Se ela se distrai
Uma lágrima cai
Ao lembrar do passado
Seu olhar distante
Vai por um instante
À um tempo dourado...
Retoca a maquiagem
Cheia de coragem
Essa mulher bonita
Que já não é menina
Mas a todos fascina
E a mim me conquista...
Não quero saber
Da sua vida, sua história
Nem do seu passado
Mulher de Quarenta
Eu só quero ser
O seu namorado...(2x)
Retoca a maquiagem
Cheia de coragem
Essa mulher bonita
Que já não é menina
Mas a todos fascina
E a mim me conquista...
Da sua vida, sua história
Nem do seu passado
Mulher de Quarenta
Eu só quero ser
O seu namorado...(3x)
Oh, Pretty Woman
Oh, Linda Mulher (Tradução)
Tão forte, tão natural
Tão bonita, tão divina
Deu a ti um coração
Suave feito uma canção
De ternura e paz, harmonia
E confiou a ti o mais sublime dom
O dom da vida gerar, és maravilhosa
Obra prima do Criador, és tão bela
E Deus te fez mulher
Poesia de infinito amor
Inspiração do Criador
O Deus da vida, Deus da vida
Que deu a ti todo o esplendor
A arte, a força, o valor de ser mulher.
Eu fico tentando compreender
O que nos Teus olhos pôde ver
Que já condenada acreditou
Que ainda havia o que fazer
Que ainda restara algum valor
E ao se prender em Teu olhar
Por certo haveria de vencer
E assim fizeste a vida
Retornar aos olhos dela
E quem antes condenava
Se percebe pecador
Força que conserta o mundo
Eu confesso não saber compreender.
Vejam como os quarentões e cinquentões de hoje tratavam seus amores de ontem.
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Década de 30:
Ele, de terno cinza e chapéu panamá, em frente à vila onde ela mora, canta:
"Tu és, divina e graciosa, estátua majestosa! Do amor por Deus esculturada.
de mais ativo olor, na vida é a preferida pelo beija-flor...."
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Década de 40:
Ele ajeita seu relógio Pateck Philip na algibeira,escreve para Rádio Nacional e,
"A deusa da minha rua, tem os olhos onde a lua,costuma se embriagar. Nos seus olhos eu suponho,
que o sol num dourado sonho, vai claridade buscar"
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Década de 50:
Ele pede ao cantor da boate que ofereça a ela a interpretação de uma bela bossa:
" Olha que coisa mais linda, mais cheia de graça.
Moça do corpo dourado, do sol de Ipanema. O teu balançado é mais que um poema.
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Década de 60:
Ele aparece na casa dela com um compacto simples embaixo do braço,
mais bonito. Me desespero a procurar alguma forma de lhe falar, como é grande o meu amor por você...."
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Década de 70:
Ele chega em seu fusca, com roda tala larga, sacode o cabelão,
"Foi assim, como ver o mar, a primeira vez que os meus olhos se viram no teu olhar....
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Década de 80:
Ele telefona pra ela e deixa rolar um:
"Fonte de mel, nos olhos de gueixa, Kabuki, máscara. Choque entre o azul e o cacho de acácias,
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Década de 90:
Ele liga pra ela e deixa gravada uma música na secretária eletrônica:
"Bem que se quis, depois de tudo ainda ser feliz. Mas já não há caminhos pra voltar.
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