06/07/2010

A estranha passageira

Stanislaw Ponte Preta

- O senhor sabe? É a primeira vez que eu viajo de avião. Estou com zero hora de vôo – e riu nervosinha, coitada.

Depois me pediu que eu me sentasse ao seu lado, pois me achava muito calmo e isto iria fazer-lhe bem. Lá se ia a oportunidade de ler o romance policial que eu comprara no aeroporto, para me distrair na viagem. Suspirei e fiz o bacano respondendo que estava às suas ordens.

Madama entrou no avião sobraçando um monte de embrulhos, que segurava desajeitadamente.

Gorda como era, custou a se encaixar na poltrona e arrumar todos aqueles pacotes. Depois não sabia como amarrar o cinto e eu tive que realizar essa operação em sua farta cintura.

Afinal estava ali pronta para viajar. Os outros passageiros estavam já se divertindo às minhas custas, a zombar do meu embaraço ante as perguntas que aquela senhora me fazia aos berros, como se estivesse em sua casa, entre pessoas íntimas. A coisa foi ficando ridícula:

- Para que esse saquinho aí? - foi a pergunta que fez, num tom de voz que parecia que ela estava no Rio e eu em São Paulo.

- É para a senhora usar em caso de necessidade - respondi baixinho.

Tenho certeza de que ninguém ouviu minha resposta, mas todos adivinharam qual foi, porque ela arregalou os olhos e exclamou:

- Uai... as necessidades neste saquinho? No avião não tem banheiro?

Alguns passageiros riram, outros - por fineza - fingiram ignorar o lamentável equívoco da incômoda passageira de primeira viagem. Mas ela era um azougue (1) (embora com tantas carnes parecesse mais um açougue) e não parava de badalar. Olhava para trás, olhava para cima, mexia na poltrona e quase levou um tombo, quando puxou a alavanca e empurrou o encosto com força, caindo para trás e esparramando embrulhos para todos os lados.

O comandante já esquentara os motores e a aeronave estava parada, esperando ordens para ganhar a pista de decolagem. Percebi que minha vizinha de banco apertava os olhos e lia qualquer coisa. Logo veio a pergunta:

- Quem é essa tal de emergência que tem uma porta só pra ela?

Expliquei que emergência não era ninguém, a porta é que era de emergência, isto é, em caso de necessidade, saía-se por ela.

Madama sossegou e os outros passageiros já estavam conformados com o término do "show".

Mesmo os que mais de divertiam com ele resolveram abrir os jornais, revistas ou se acomodarem para tirar uma pestana durante a viagem.

Foi quando madama deu o último vexame. Olhou pela janela (ela pedira para ficar do lado da janela para ver a paisagem) e gritou:

- Puxa vida!!!

Todos olharam para ela, inclusive eu. Madama apontou para a janela e disse:

- Olha lá embaixo.

Eu olhei. E ela acrescentou: - Como nós estamos voando alto, moço. Olha só... o pessoal lá embaixo até parece formiga.

Suspirei e lasquei:

- Minha senhora, aquilo são formigas mesmo. O avião ainda não levantou vôo.


 

Stanislaw Ponte Preta (pseudônimo de Sérgio Porto, 1923 – 1968). Cronista, escreveu para jornais, rádio e televisão, criando uma galeria de personagens, por meio dos quais satirizava a vida carioca e nacional. Principais obras: Tia Zulmira e eu: Primo Altamirando e elas: O festival de besteiras que assola o país: Febeapá nº2:Febeapá nº 3: O distraído Rosamundo: Bonifácio, o patriota: País do crioulo doido: A máquina de fazer doido.


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